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Inspecção Pré-Embarque: os mitos de um sistema arcaico e quase extinto que Moçambique insiste em manter

Implementada em Moçambique em 1998, a Inspecção Pré-Embarque (IPE) tem demonstrado uma resiliência invulgar e, de algum modo, suspeita aos avanços verificados nos sistemas aduaneiros internacionais, vigorando actualmente em pouco mais de duas dezenas de países, contra recomendações da Organização Mundial do Comércio, que exige a sua abolição, pelo menos no quadro em que é utilizada pelas autoridades moçambicanas.

Procurando assegurar uma cobrança de impostos adequada sobre as mercadorias exportadas para Moçambique e evitar que os importadores indiquem às autoridades alfandegárias preços inferiores ao valor real dos produtos, o Governo moçambicano introduziu, através do Diploma Ministerial no 207/98 de 25 de Novembro, o sistema de IPE, tendo, para a sua execução, contratado os serviços da multinacional Intertek, que, à luz do próprio diploma, tem realizado acções de valoração aduaneira e de classificação pautal das mercadorias nos países de origem das importações [veja aqui o regulamento:

 http://www.portaldogoverno.gov.mz/Servicos/comercioExt/regimeAd/].

Embora a legislação que regula a IPE indique que ela deva ser gradualmente substituída por outro modelo, surpreendentemente o sistema mantém-se activo no país há já quase duas décadas, isolando Moçambique no contexto internacional e na Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC), com pesados impactos no sector empresarial, que tem de suportar custos suplementares associados ao seu funcionamento, sobretudo relacionados com o tempo de importação das mercadorias, que estudos recentes apontam para um aumento de pelo menos 15 dias.

Com algumas revisões pontuais no quadro dos produtos abrangidos pela inspecção, cuja selecção o legislador alega que está relacionada com factores de risco para a segurança pública, a IPE é actualmente obrigatória em 10 categorias de produtos, designadamente carnes congeladas, farinha, óleo para cozinhar, cimento, produtos químicos (duas diferentes categorias), produtos farmacêuticos, fósforos, pneus novos e usados e veículos [veja aqui os produtos:

http://www.intertek.com/uploadedFiles/Intertek/Divisions/Oil_Chemical_and_Agri/Media/pdfs/Mozambique%20Importer%20Guidelines.pdf].

Informações avançadas pela Intertek dão conta de que a IPE cobre cerca de 10% de todos os produtos importados por Moçambique, embora as estimativas apontem para que apenas metade seja, de facto, fiscalizada, o que significa que a multinacional apenas controla 5% das importações.

Não são claras as razões que levam o Governo moçambicano a optar pela manutenção da IPE, contrariando, de resto, a sua própria legislação, mas os argumentos brandidos referem “a colecta de receitas, a segurança pública e preocupações proteccionistas” da indústria nacional, conforme um relatório encomendado pela Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA) indica, e cujos resultados foram recentemente apresentados em Maputo [veja aqui o relatório:

[2014-SPEED-Report-013-Suggestions-for-a-Migration-Strategy-from-PSI-into-a-Risk-Based-Inspection-PT.pdf].

Perante representantes ministeriais, das alfândegas e do sector empresarial, o encontro acabou por confirmar a existência de um elevado nível de desinformação em torno da IPE, que alguns intervenientes referiram que garante a qualidade e a segurança dos produtos, tanto no acto de exportação do país de origem, como no trajecto para o destino final, no caso as fronteiras moçambicanas.

Nos produtos farmacêuticos, por exemplo, sobressaiu a ideia errónea de que a Intertek faz análises aos medicamentos, quando, na verdade, a empresa se limita a verificar a data de validade dos produtos, que frequentemente chegam a Moçambique com indicações informativas escritas em inglês, quando deveriam ser apresentadas em português, como a legislação obriga.

Mas no topo das preocupações manifestadas esteve a questão da tributação dos veículos usados, dado o frenético aumento do parque automóvel do país que se tem vindo a verificar, muito devido à importação de viaturas japonesas, cujos preços se pode dizer que estão subvalorizados, atendendo à realidade do mercado moçambicano.

Na reunião, foram apresentadas as recomendações do autor do relatório, Andrew Allan, que estão em linha com as da Organização Mundial do Comércio e da Organização Mundial das Alfândegas, apontando para uma transição gradual da IPE para um sistema de Inspecção Baseada no Risco (IBR), que elimina a barreia não-tarifária imposta pela actual forma de inspecção, o que facilitaria o comércio internacional.

Sugerindo ao Governo que imponha uma calendarização para guiar o processo, o consultor considera preponderante a criação de um Comité de Coordenação, que poderá ficar sobre a alçada da Autoridade Tributária de Moçambique, cujas equipas devem ser capacitadas para o novo modelo.

Sobre a questão da segurança dos produtos importados, o relatório propõe a adopção de um modelo de conformidade assente em padrões e normas nacionais e internacionais, que atribui aos diversos actores ministeriais a responsabilidade da identificação de riscos. Por exemplo, no caso dos produtos farmacêuticos, o Ministério da Saúde passaria a indicar quais os riscos associados a um determinado produto.

Uma vez que o país já dispõe de uma ferramenta de controlo aduaneiro, a Janela Única Electrónica (JUE), que contempla o modelo da IBR, é sugerida uma integração dos diversos actores no sistema - ministérios, autoridade tributária e importadores -, o que irá promover um importante fluxo informativo, que, em última análise, se pode dizer que vai permitir que o controlo das mercadorias passe a ser feito dentro das fronteiras moçambicanas e pelas próprias autoridades do país.

À semelhança de outras empresas que reviram os seus contratos com governos que utilizavam a IPE, também a Intertek poderá alterar a sua forma de actuação para a IBR, contribuindo, por exemplo, para a criação de perfis sobre os importadores, atendendo aos registos que já dispõem, e que poderão ser introduzidos na JUE, permitindo a detecção atempada de agentes incumpridores e um maior controlo de possíveis infracções.

Quanto aos veículos usados, Moçambique poderá adoptar um modelo semelhante ao que o Gana tem actualmente em funcionamento baseado num guia indicativo para a valoração das viaturas, que permite ao agente importador e às autoridades conhecerem o valor aproximado do veículo, e que está integrado no Ghana Community Network Services Limited (GCNET), uma plataforma de controlo aduaneiro equivalente à JUE

[ver aqui: http://www.gcnet.com.gh/carValues/default.asp].